Monday, June 1, 2009

- Não vejo, avó, não vejo...

Peço para levar a sopa à minha avó, ela está fechada no quarto há dias, escondida de nós, os netos. O meu avô, e os meus pais, tentam esconder o que já adivinhámos : a minha avó Maria, está louca, sofre de alucinações e sempre tão calma e gentil, grita agora como uma possessa, tem a energia dos prosélitos...
Não sei como, a minha mãe confia nos meus sisudos 11 anos e deixa-me continuar, também não sei como, eu tinha andado a ler sobre antipsiquiatria e confiado nas minhas leituras, ia experimentar a minha abordagem revolucionária na minha avó.
A minha avó, tinha uns olhos azuis, doces e suaves, como ela sempre tinha sido, passava a maior parte do tempo, desde que eu me recordava deitada na sua cama e durante a noite levantava-se e vinha aconchegar-nos a roupa, eu apanhava sustos enormes, porque acordava e sentia alguém a aproximar-se de mim, lentamente e imaginava a morte e passava um comboio e soava como a sua carroça que chegava para me levar...
Pousei o prato na mesa da cabeceira, beijei a minha avó e tentei conversar naturalmente, rapidamente o bijou da familia, começou a ser denunciado como a nossa eminente desgraça, calmamente e com moderação, tentei demonstrar o contrário.
Os carros eram bastante seguros, o nosso também, toda a gente começava a ter um, o meu pai era o melhor e o mais cuidadoso dos condutores...mas nada demovia a minha avó, que entretanto agarrou no crucifixo que sempre tinha junto a si.
- Olha, filho, vê como a avó sabe, vê como o sangue corre nas veias de nosso Senhor, vê filho vê o sangue de nosso Senhor...
Entretanto a minha mãe tinha chegado e empurrado-me para fora do quarto.

Muitos anos depois e com a minha doença, percebi que se fala com a pessoa, com a doença não se consegue falar...

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