Nasci na casa dos meus avós maternos e vivi lá até me casar. A minha avó Maria nunca saía de casa, mas naquele tempo as pessoas ainda se preocupavam umas com as outras, e ela tinha muitas visitas.
Cresci assim a ouvir conversas de mulheres, sempre fui muito sossegado e pouco aventureiro, portanto ficava por perto, brincando calado e ouvia.
Mais tarde, quando a escola me fez saír do mundo fechado do bairro onde nasci e vivia, comecei também a frequentar a casa dos meus avós paternos e o mundo aí, era ainda mais feminino.
O meu avô era pescador e vivia com as marés, portanto ou estava no rio a aproveitar a maré ou a dormir para apanhar a da noite. O meu pai tinha duas irmãs mais novas e outra já casada, mas que vivia ali mesmo ao lado, portanto eram tardes cheias de conversas de mulheres e eu mais uma vez ao lado calado a ouvir, a fazer uma pergunta de vez em quando.
A vida é uma colcha, que vai sendo tecida de geração em geração e são as mulheres que o fazem, em recato, quando se juntam e poem a conversa em dia e desfiam os momentos alegres e tristes que são o nosso caminho, a história das familias.
Sempre as ouvi falar de tudo, mas acho que guardavam sempre uma reserva, no fundo conscientes da minha presença. Quando as minhas tias mais novas casaram também, aproveitei a cumplicidade que tinhamos, para pedir alguns conselhos ou pedir pequenas ajudas, que não queria ou podia pedir aos meus pais.
Sempre tive um carinho muito grande, por uma dessas tias, talvez porque a achasse mais parecida com o meu pai e se calhar comigo, portanto fiquei muito triste quando lhe foi diagnosticada uma doença grave, que a levou em pouco tempo. Nunca quis falar comigo sobre isso e penso que na última ocasião que a vi, me mandou mesmo embora.
Acho que sei agora, que aquela doença era uma daquelas coisas, que as mulheres guardavam para falar só entre elas e da qual eu nunca poderia fazer parte.
Saturday, June 6, 2009
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muito bonito...quem está a ler é como se estivesse a ser transportado para dentro da história.
ReplyDeleteMuito obrigado, fico muito orgulhoso.
ReplyDeleteObrigado por partilhares algo tão bonito...
ReplyDeleteeu também aprendi muito com essa colcha...e se for uma colcha de retalhos. Também eu e tu temos um bocadinho de nós nessa colcha...
beijinhos de luz
Paula
não temos, Paula, somos mesmo essa colcha.
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