Friday, August 23, 2019
Que lhe importa ?
Pina Bausch, Orphée et Eurydice
Um dia um homem de camisa vermelha cruza-se no nosso caminho
gelamos, ficamos a saber que quando realmente conta
estamos sozinhos, sempre estaremos sozinhos
frente ao que realmente conta e não haverá repetições.
O comboio do tempo ninguém o pára,
o comboio do tempo ninguém o pode parar
ficamos assim indefesos e impotentes
perante homens com nomes de flores e vagas de frio siberianas
As nossas muralhas sempre as fizemos reforçadas,
sempre as construímos da melhor pedra, largos fossos cavámos
estudámos o território, erguemos nossas defesas onde melhor nos pareceu
mas que podem muralhas contra o vento, contra o frio glacial ?
Caem as folhas secas, amarelas e quebradiças
assim nossos corações tolhidos dentro dos nossos peitos.
Fitamos a manhã e perguntamos, em vez de muralhas
em vez de fossos, não deveríamos antes ter cavado abraços ?
Nossos filhos, nossos filhos
vivem vidas independentes, está bem assim, está bem assim
é justo e como deve de ser.
O homem da camisa vermelha fita-nos e segue, nunca nos viu antes.
Que lhe importa ?
Wednesday, August 21, 2019
Mudar o mundo para José Gomes Ferreira, poeta
Photograph: Mahmud Hams/AFP/Getty Images
Mudar o mundo ou como dizia o poeta falando de um seu hipotético filho, aos dezoito anos todos deveremos querer mudar o mundo.
Os melhores contudo, querem sempre melhorar o mundo e passo a passo, gesto a gesto, vão trabalhando nesse sentido.
Até pode ser só um projecto de book crossing no sítio onde vives...
DEVIA MORRER-SE DE OUTRA MANEIRA
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
Friday, August 16, 2019
Todos os dias se aprende algo - conversa de café
É uma cidade cheia de turistas, onde os visitantes ocasionais competem com os poucos moradores e os muitos que comutam diariamente da periferia para lá trabalhar...
Nos bairros mais tradicionais, com menos centros de negócio, os moradores a maioria já muito idosos convive com os turistas ou visitantes ocasionais...
É um pequeno café, mantido pelo dono, um homem jovem e uma empregada que o apoia com a cozinha...O dono, o sr. Miguel trata todos os clientes habituais pelo nome, tenta estabelecer ligações entre eles, recebe os turistas com um sorriso, umas palavras de francês ou inglês e assim revela a verdadeira vocação da cidade : aproximar povos, criar relações entre pessoas.
Tem sido assim ao longo dos séculos e agora a cidade vibra cheia de gente, após anos de agonia, perdendo habitantes e com poucos visitantes, neste momento aproveita a crista de uma onda e a relativa pacatez do meio é atraente para quem vem de fora e procura conforto e segurança, num ambiente ainda com alguma especificidade local.
Da minha mesa ao fundo junto à cozinha, vou observando os que chegam, os que estão, os movimentos do dono, tecendo as suas teias...O senhor brasileiro com ar respeitável conversa com uma antiga habitante do bairro, trocam experiências, ela vai tentando fornecer sugestões úteis ao recém-chegado, obtém o preço do seu aluguer, sugere-lhe uma outra opção para habitar, não sabemos se interessada ou desinteressadamente, entretanto ele acaba o prato do almoço e o dono atento, logo lhe diz : " Vai um doce, Sr. Paulo ? Temos uma tarte de amêndoa muito boa e muito fresca...".
O sr. Paulo responde intrigado : "Tarte, tarte ?..."
O sr. Miguel solícito e atento esclarece : " Ah, pois para vocês doce é torta, mas aqui a estes espalmados, redondos chamamos nós, tarte !".
"Pois sim, sr. Miguel venha de lá essa tarte ".
Deliciado já, vira-se para a vizinha e diz : "Tarte, já aprendi uma coisa nova hoje...Todos os dias se aprende algo !".
Thursday, August 8, 2019
Famílias
“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”.
Liev Tolstoy a abrir Anna Karenina
Liev Tolstoy a abrir Anna Karenina
Wednesday, July 31, 2019
Tuesday, April 2, 2019
Ithaka
Ithaka
BY C. P. CAVAFY
TRANSLATED BY EDMUND KEELEY
As you set out for Ithaka
hope your road is a long one,
full of adventure, full of discovery.
Laistrygonians, Cyclops,
angry Poseidon—don’t be afraid of them:
you’ll never find things like that on your way
as long as you keep your thoughts raised high,
as long as a rare excitement
stirs your spirit and your body.
Laistrygonians, Cyclops,
wild Poseidon—you won’t encounter them
unless you bring them along inside your soul,
unless your soul sets them up in front of you.
Hope your road is a long one.
May there be many summer mornings when,
with what pleasure, what joy,
you enter harbors you’re seeing for the first time;
may you stop at Phoenician trading stations
to buy fine things,
mother of pearl and coral, amber and ebony,
sensual perfume of every kind—
as many sensual perfumes as you can;
and may you visit many Egyptian cities
to learn and go on learning from their scholars.
Keep Ithaka always in your mind.
Arriving there is what you’re destined for.
But don’t hurry the journey at all.
Better if it lasts for years,
so you’re old by the time you reach the island,
wealthy with all you’ve gained on the way,
not expecting Ithaka to make you rich.
Ithaka gave you the marvelous journey.
Without her you wouldn't have set out.
She has nothing left to give you now.
And if you find her poor, Ithaka won’t have fooled you.
Wise as you will have become, so full of experience,
you’ll have understood by then what these Ithakas mean.
C. P. Cavafy, "The City" from C.P. Cavafy: Collected Poems. Translated by Edmund Keeley and Philip Sherrard. Translation Copyright © 1975, 1992 by Edmund Keeley and Philip Sherrard. Reproduced with permission of Princeton University Press.
Source: C.P. Cavafy: Collected Poems (Princeton University Press, 1975)
Tuesday, January 8, 2019
on being human...
(duas imagens retiradas da Internet)
A Raposa e as Uvas (Esopo)
Morta de fome, uma raposa foi até um vinhedo sabendo que ia encontrar muita uva. A safra havia sido excelente. Ao ver a parreira carregada de cachos enormes, a raposa lambeu os beiços. Só que sua alegria durou pouco: por mais que tentasse, não conseguia alcançar as uvas. Por fim, cansada de tantos esforços inúteis, resolveu ir embora, dizendo:
– Por mim, quem quiser essas uvas pode levar. Estão verdes, estão azedas, não me servem. Se alguém me desse essas uvas, eu não comeria.
Moral: Desprezar o que não se consegue conquistar é fácil.
–
A Raposa e as Uvas (La Fontaine)
Certa raposa matreira,
que andava à toa e faminta,
ao passar por uma quinta,
viu no alto da parreira
um cacho de uvas maduras,
sumarentas e vermelhas.
Ah, se pudesse tragar!
Mas lá naquelas alturas
não podia alcançar.
Então falou despeitada:
– Estão verdes essas uvas.
Verdes não servem para nada!
Como não cabem quatro mãos em luvas,
há quem prefira desdenhar a lamentar.
- postado em Vamos brincar de ler? por Laila Có
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