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Sonhava constantemente com futebol, quero dizer sonhava comigo a jogar futebol, revivia jogadas que tinha feito, refazia as que tinham saído mal. Contudo só jogava bem quando me esquecia, quando o corpo jogava por ele, sem interferência da razão.
Algum tempo depois, comecei a ser ostra. Deixava a água passar por mim, contava-lhe histórias e a água dizia : - Como podes contar histórias tu, que não sais daqui, não vês nada de novo ? e eu respondia : - Não vês água que tu vens de todas as partes e eu por ti vou-me inteirando de tudo. É que está tudo ligado.
A água respondia : - Bahhh, tretas...e continuava o seu caminho toda gaiteira.
É uma tarde de principio de Verão, bate a nortada como costuma acontecer, aqui no estuário, onde o rio é mais aberto, largo como um mar. O nosso barco, mais o seu pequeno motor, tenta passar por entre a mareta, sabemos que estamos por cima dos bancos de ostras, agora mortos e tentamos regressar a casa, a pescaria hoje não rendeu e com este vento vamos ver se o combustível nos chega para o regresso.
O meu tio Constantino passa na traineira dele e larga-nos uma corda, vamos a reboque, seguros até casa e tudo fica bem. Nessa noite dormimos ainda embalados pelo tactac do motor, a pele seca do sol e da nortada.
Gostava que as coisas fizessem sentido, gostava que o meu corpo ainda me pedisse para pontapear todas as pedras da rua, gostava de partir para o rio e encontrar sempre uma saída.
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