Wednesday, December 20, 2017

Equilíbrio

Tim Head, Equilibrium(1975) visto no blogue MeninaLimão(meninalimao.blogspot.pt)

Dizem que uma imagem vale por mil palavras...dizem que é duro viver no fio da navalha...dizem...

3 comments:

  1. ...é muito, muito duro viver no fio da navalha

    ter um nó no peito
    uma dúvida
    um arrepio
    não saber
    não ouvir as palavras
    suplicar por elas

    morre-se depressa, quando se vive no fio da navalha


    *
    – É aqui que vives? – perguntou Isabel. Ele riu baixinho ao ver a expressão do seu rosto.

    – Sim. Moro aqui desde que vim para Paris.

    – Mas por quê?

    – É cômodo. Fica perto da Bibliothèque Nationale e da Sorbonne. – Larry apontou para uma porta que ela não notara. – Tem quarto de banho. Tomo o café da manhã aqui e geralmente janto naquele restaurante onde almoçamos hoje.

    – É horrivelmente sórdido.

    – Oh, não; está muito bom. Não desejo mais do que isto.

    – Mas que tipo de gente mora aqui?

    – Não sei. No sótão, alguns estudantes. Dois ou três solteirões, funcionários públicos; uma atriz do Odéon, aposentada; no outro quarto com casa de banho, a amante de um sujeito que a vem visitar de quinze em quinze dias, às quintas-feiras; e mais alguns forasteiros. É um lugar muito sossegado e familiar.

    Isabel ficou um tanto desconcertada e, vendo que Larry disso se apercebera e achava graça, quase se melindrou.

    – Que livro é aquele, enorme, ali sobre a mesa? – perguntou ela.

    – Aquele? É o meu dicionário grego.

    – Quê? – exclamou Isabel.

    – Calma. Ele não tem garras.

    – Estás a estudar grego?

    – Estou. Por quê? Porque me deu vontade. – Larry fitava-a com um sorriso nos olhos e Isabel correspondeu a esse sorriso.

    – Não achas que devias contar-me o que andaste a fazer todo este tempo que estiveste em Paris?

    – Tenho lido muito. Oito ou dez horas por dia. Tenho ido a conferências na Sorbonne. Creio que li tudo quanto há de importante na literatura francesa, e posso ler o latim, prosa, pelo menos, com a mesma facilidade com que leio o francês. Claro que o grego é mais difícil. Mas tenho um ótimo professor. Antes de chegares, ia três noites por semana a sua casa.

    – E qual a finalidade de tudo isto?

    – Adquirir cultura – respondeu ele, sorrindo.

    – Não me parece muito prático.

    – Talvez não seja e, por outro lado, talvez seja. Mas é divertidíssimo. Não podes imaginar como é emocionante ler a Odisséia no original. A gente tem a impressão de que bastaria ficar na ponta dos pés e estender as mãos para tocar as estrelas.

    Larry levantou-se, como que impulsionado pela excitação que dele se apoderara, e pôs-se a andar de um lado para o outro do quartinho.

    – Há um ou dois meses, estive a ler Spinoza. Creio que não o entendo ainda muito bem, mas que delícia!… É como a gente descer do seu próprio avião num grande planalto, nas montanhas. Solidão e ar tão puro que intoxica como um vinho e faz a gente sentir-se como um rei!

    – Quando é que pretendes voltar para Chicago?

    – Chicago? Não sei. Não pensei nisso.

    – Disseste que, se ao cabo de dois anos não alcançasses o que buscavas, darias a experiência por mal sucedida.

    – Não me seria possível voltar agora. Estou no limiar. Vejo vastas planícies do espírito à minha frente, acenando-me, e estou ansioso por explorá-las.

    – Que esperas encontrar?

    – Respostas às minhas perguntas. – Larry relanceou a Isabel um olhar quase brincalhão, de modo que, se o não conhecesse tão bem, poderia pensar que ele estava a troçar. – Quero ter a certeza da existência ou da não existência de Deus. Quero conhecer a origem do mal. Quero saber se tenho uma alma imortal, ou se a morte põe fim a tudo.

    Isabel ficou de respiração suspensa. Não se sentia à vontade quando Larry se exprimia desta forma, e deu graças a Deus por ele ter falado tão despreocupadamente, no habitual tom de conversa, que lhe permitiu dominar o constrangimento.

    – Mas, Larry, há milhares de anos que a Humanidade faz essas perguntas – replicou ela, sorrindo. – Se tivessem resposta, certamente há muito já teriam sido respondidas.



    O Fio da Navalha, de William Somerset Maugham.

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