Tuesday, June 22, 2010
Nós ( ainda a propósito de Saramago)
O 25 de Abril podia nem ter existido e a ditadura, teria por si só evoluído para este estado de coisas em que vivemos. Assim o disse José Saramago e eu que em tempos idos poderia ter discordado, iludido por conversas de madrugadas prenhes e luminosas manhãs, agora digo sim, com efeito, o que vivemos é fruto desse Estado Novo, sua descendência directa e natural.
Os herdeiros das suas elites gozam prazenteiramente de todas as vantagens do seu estatuto, sem a carga odiosa e a má consciência do antigo regime. Somos uma democracia liberal, burguesa, actual e progressiva.
O apogeu da era industrial no Ocidente, culminando na deslocalização das fábricas para locais sempre menos regulamentados e de mão de obra, por via disso, mais desprotegida e mais barata, deu lugar à era do consumo sempre crescente. Tendo aderido desde a sua fundação à OCDE, Portugal, era sem dúvida parte integrante deste movimento, mesmo que duma forma tardia, a sua influência far-se-ia sempre sentir no país e a evolução de Espanha, aqui ao nosso lado, seria também mais um factor que precipitaria, mais tarde ou mais cedo e de qualquer maneira, a mudança de regime.
Tínhamos contudo, pelo menos uma particularidade evidente : os restos do Império, ardendo em África, em várias frentes de guerra. Esta particularidade foi decisiva para a ocorrência do 25 de Abril e para as diversas formas de que este acontecimento se foi revestindo.
O sangue de África, é uma conversa dura de ter, o sangue de África é qualquer coisa que nos transcenderá sempre e para os que não foram ou vieram de lá, como eu, quase um interdito.
As lágrimas do império - uma nação é feita do sonho de gerações, dos longes que nos inculcam no horizonte pessoal, mais ainda daqueles horizontes que fazemos nossos, em viagens de afirmação, vidas feitas de risco, de partidas, sonhos cumpridos e sonhos desfeitos. As lágrimas do império, serão sempre uma oportunidade nossa, uma diáspora mais antiga do que a diáspora europeia, mais moderna e mais fluida esta, se calhar não menos fatalista e trágica.
Entre estes destinos se decide o destino de Portugal. Ser Europa no Mundo e Mundo na Europa, soa certo e só o fazendo certo, teremos futuro.
A opção é tornarmos real, outra afirmação de Saramago, a de que Portugal será mais uma região de Espanha, entretanto renomeada Ibéria. Até pode ser que sim e mal nenhum virá daí, seria o regresso à nossa velha mãe, mas a nossa vida, a nossa deriva histórica levaram-nos mais longe e deram-nos outras maneiras de ser.
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As lágrimas do império são uma diáspora mais antiga do que a diáspora europeia? Não percebi. Quais são os destinos entre os quais se decide o destino de Portugal?
ReplyDeleteAs lágrimas do império são a nossa diáspora de sempre. Desde muito cedo Portugal cresceu e afirmou-se virando-se para o Atlântico.
ReplyDeleteOs destinos de Portugal são portanto o Mundo via o Atlântico ou a Europa, via TGV.
Não são contudo destinos irreconciliáveis ou mutuamente exclusivos, pelo contrário, acho que se potenciam.
Fiquei baralhada com a mistura entre o figurativo e o real. O destino de Portugal pode ser a Europa via TGV e/ou o Mundo (via o quê no Atlântico??) e/ou a (re)integração com a Espanha. É isso?
ReplyDeleteComo eu pus as coisas Claudia, o destino de Portugal, passa pela afirmação, cada vez mais forte da Europa e de Portugal, nessa Europa forte.
ReplyDeleteAo mesmo tempo, passa também pela assumpção do nosso passado, que foi sempre construído longe da Europa, via Atlântico, que nos levou pela África,pela América Latina e até já fora do Atlântico, no Indico e mesmo mais longe no Pacifico.
Neste momento, o Brasil, a Índia e África são mercados desejáveis para as nossas empresas e as nossas pessoas.
Não conseguindo sair para estes espaços, seremos apenas mais uma região de Espanha, como a Catalunha, ou o País Basco...
OK, obrigada. Já estou como o advogado do "Philadelphia", "explain it to me like I'm four years old"!
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