Tuesday, March 10, 2009

O conforto das flores




A carrinha subiu com esforço os últimos metros de rampa e estacionou no adro...
- Então é aqui que ficam as novas capelas mortuárias, pensou o homem, enquanto abria a porta de correr do compartimento de carga e começou a descarregar as coroas de flores.
Olhou em redor, sem deter o olhar no rio ou na leziria que o luar iluminava lá em baixo, à distância. Velórios e funerais eram grande parte do seu trabalho, registava o sitio, só isso. Iria voltar ali muitas vezes, não perdia tempo com as vistas.
As conversas interromperam-se quando entrou, os olhares fixaram-se nele, que com profissionalismo dispôs as coroas que trazia, em redor do caixão. Indiferente aos olhares, com um pulverizador, refrescou as flores, compôs alguma, que no transporte, tinha saído do lugar.
Com um acenar de cabeça e um murmúrio saíu para a noite, cá dentro ouviu-se o roncar da carrinha e depois nada.
As conversas reataram-se pouco a pouco, alguns mais afoitos levantaram-se e verificaram os cartões de condolências, que acompanhavam as flores.
Discretamente passaram a informação aos familiares do morto, estes suspiraram, limparam mais uma vez os olhos chorosos, olharam para as flores.
Era bom ter havido quem se lembrasse do gesto, quem se disponibilizasse a arcar com o peso e os gastos que as convenções impunham.
Era bom, bom como uma bebida quente num dia frio, um aconchego para estes momentos de dor...

1 comment:

  1. Escreves bem.

    Dantes não ligava a esse tipo de convenções. Agora, à medida que a idade avança, vou reconhecendo-lhe o valor.

    ReplyDelete