Wednesday, December 29, 2010

Christmas eve 2010




1 comment:

  1. “Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
    Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.
    É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos, e tem a macieza quente do lodo vivo.
    É um rio.
    Corre-me nas mãos, agora molhadas.
    Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de repente não sei se as águas nascem de mim, ou para mim fluem.
    Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o próprio corpo do rio.
    Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os barcos e o céu que os cobre, e os altos choupos que vagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos.
    Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas águas como os apelos imprecisos da memória. Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
    Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e firme pulsar de coração.
    Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
    É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo acorda o canto das aves.
    E quando num largo espaço o barco se detém, o meu corpo despido brilha debaixo do sol, entre o esplendor maior que acende a superfície das águas.
    Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas da memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.
    Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar calada sobre a proa rigorosa do barco. Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que as aves digam nos ramos por que são altos os choupos e rumorosas as suas folhas.
    Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem, sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas verticais circundam.
    Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.
    Haverá o grande plano primordial quando as mãos se juntarem às mãos.
    Depois saberei tudo.” José Saramago

    Fantásticas estas fotos do Tejo.

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