Thursday, September 16, 2010

O arame (andar no)

Num mundo onde a velocidade da luz
não constituísse um limite
o bem e o mal seriam absolutos.
Nós nunca poderíamos viver em tal mundo
para sempre presos na imutabilidade dos nossos gestos
capazes do melhor e do pior
precisamos do tempo para nos redimir
ou danar para sempre.

*

O meu pai lembra-se dos grandes ulmeiros que existiam na vila,
das linhas de água que os alimentavam
dos esteiros do rio a entrar pela terra dentro ao ritmo das marés.
Lembra-se de andar descalço pela rua,
de jogar com bolas de trapos e dos nomes dos cães que teve,
lembra-se de andar à pesca à força de remos,
da mão leve do meu avô. O meu pai lembra-se e eu começo
a lembrar também - coisas que já não estão
gente que já não é,
o meu avô pelas tardes à sombra do salgueiro,
o meu outro avô com o boné ao contrário
a fazer outro fogareiro de carvão,
as manhãs de ir para a escola…
O tempo sim e a luz também,
vão-nos fazendo e desfazendo.

2 comments:

  1. Comentei já, mas penso que o meu comentário não ficou registado. Talvez tenha.
    Vejamos: lembro-me de me lembrar de "A Morte do Palhaço".

    A luz, fazendo-se (-nos), desfazendo-se (-nos).
    O maniqueímo...
    Ficou registado?

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  2. *Maniqueísmo, claro!
    E não, não ficou registado.
    Acabo de verificar que não.
    Paciência. Não conseguiria reconstituir as primeiras impressões.
    Impossível (como "gente que já não é")

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